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quinta, 26 de fevereiro de 2015

Déficits estaduais não devem se reverter e pesam contra ajuste

Com aumento do endividamento e gastos maiores com investimentos em ano eleitoral, em um cenário de baixo crescimento da receita, a ausência de esforço fiscal dos governos regionais no ano passado surpreendeu economistas e coloca mais uma dificuldade para o cumprimento da meta de superávit primário do setor público consolidado neste ano. Em 2014, enquanto as projeções iniciais eram de um resultado positivo de 0,4% do PIB, os Estados e municípios encerram o ano com déficit de 0,15%, o equivalente a um quarto do rombo fiscal do setor público no ano passado.

O ajuste já anunciado por governadores eleitores, segundo alguns Estados ouvidos pelo Valor, dificilmente vai reverter esse cenário, especialmente diante da queda de preço das commodities e possibilidade de recessão.
Além disso, ao contrário do que ocorreu em 2013 e 2014, neste ano a Lei de Diretrizes Orçamentárias voltou a prever que, caso os governos regionais não cumpram a meta de 0,2% do PIB para 2015, a compensação será feita pelo governo central. Para o pesquisador Gabriel Leal de Barros, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre­FGV), este é mais um obstáculo para que a meta de 1,2% do PIB seja alcançada.

O pesquisador observa que três regiões registraram déficits elevados no ano passado, como proporção da receita corrente líquida (RCL): Norte (­1,7%), Nordeste (­1,6%) e Sudeste (­1,8%). Em 2013, apenas o Norte havia registrado déficit nessa comparação, de 0,8% da receita. “Não é uma piora pontual, é generalizada”, diz Barros.

Ainda assim, afirma, como proporção do PIB, o problema está concentrado em São Paulo e no Rio de Janeiro. Juntos, os dois Estados, capitais e principais municípios saíram de um superávit primário em 2013 de 0,2% do PIB para déficit de 0,2% no ano passado, praticamente ditando a evolução das contas públicas nos governos regionais no período.

Vários fatores devem atrapalhar a arrecadação nessas duas regiões neste ano, comenta Barros. A crise da água, por exemplo, tende a ter efeitos relevantes sobre a receita paulista, enquanto o Rio sofre com a queda do preço do barril de petróleo.

Renato Villela, secretário da Fazenda paulista, ressalta que, apesar do impacto da crise nas receitas, os governos regionais entendem que é preciso fazer um esforço de contenção. Segundo ele, o Estado de São Paulo deve encerrar o ano com resultado primário parecido com o de 2014, quando o superávit alcançado foi de R$ 4,59 bilhões, segundo o critério da Lei de Responsabilidade Fiscal. Pelos dados divulgados pelo Banco Central, porém, o governo estadual, em conjunto com a capital e principais municípios, teve déficit de R$ 3,45 bilhões.

Para este ano, diz Villela, “é preciso ver como o PIB se comporta daqui para a frente.” Ele explica que havia uma projeção inicial de expansão entre 0,7% e 0,8% este ano, mas novas avaliações estão sendo feitas para verificar o efeito de uma “piora das perspectivas”. Segundo Villela, a secretaria já iniciou estimativas internas para projetar o impacto de um recuo de 0,5% na economia.

Em janeiro, a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não foi animadora. A receita com o tributo caiu 4,5% em termos reais, na comparação com igual mês do ano passado. Uma queda bem maior que o recuo de 2,1% em 2014, em relação ao anterior, e da redução de 1,8% em dezembro, na comparação com igual mês de 2013. Sempre em termos reais e excluindo a receita com parcelamentos. Apesar da queda maior em janeiro, Villela afirma que o desempenho está dentro do previsto para o mês e diz ser necessário esperar ao menos o primeiro trimestre para fazer projeções concretas para o ano.

A ideia, diz Villela, é não abrir mão dos investimentos para este ano, mesmo com o impacto da desaceleração na arrecadação. “O Estado vai tentar executar o programado. O contingenciamento inclui uma parte de investimentos que podem ser liberados com a entrada de recursos, mas tentaremos conter o custeio.” Anunciado logo após a posse, em janeiro, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) estabeleceu contingenciamento de R$ 6,6 bilhões, além de corte de 10% nas despesas de custeio e 15% nos gastos de cargos de comissão.

Amir Khair, especialista em contas públicas, lembra que os governos regionais têm menores possibilidades de redução de despesas na comparação com a União. “Eles são menos elásticos e terão de fazer um esforço para ajustar os gastos ao que irão arrecadar, mas além de controlar mais as despesas há pouco a fazer além de tentar negociar com fornecedores ou reduzir cargos comissionados”, afirma.

Além disso, diz, o governo federal deve também adiar iniciativas que pressionem gastos. “O Tesouro deve cozinhar a regulamentação sobre o novo indexador da dívida e ficar mais restrito nos programas de ajuste fiscal para não elevar o endividamento dos Estados.”
Fonte: Valor Econômico

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